BELGAS? SÓ EM BOLACHAS, SFF
Em menos de 18 quilómetros, começa a ganhar forma a ideia de que Bruxelas é, muito provavelmente, das cidades mais perigosas onde já conduzi. Quem diria. Muda-se de faixa com a convicção de uma carga policial, há automobilistas que julgam estar aos comandos de uma moto, vêem-se scooters a furar o trânsito como abre-latas e não faltam ciclistas suicidas que parecem escorregar por entre os carros. Até já devem sair de casa untados de vaselina, só para facilitar. Na capital belga, qualquer cm2 de estrada é disputado como se não houvesse amanhã, quando toda a gente sabe que o dia seguinte há-de chegar. Muito provavelmente, em tons de cinzento e com chuva moderada. Insulta-se à mínima hesitação de terceiros e paira no ar a tensão do acidente prestes a acontecer. Perante tanta grosseria por minuto, seria de esperar ver um ogre verde por trás de cada volante, mas não: toda a gente tem um ar tão civilizadamente europeu, desde o velhinho que me encosta à berma, naquele estilo malandro dos carrinhos de choque da feira popular, à miúda gira que tenta arrancar-me um pára-choques num cruzamento. E os peões que se cuidem, porque a brigada motorizada não está para perder tempo só porque lhes deu na telha atravessar a rua. Era o que faltava, faz-se um zig-zag e já está. O facto de dois portugueses – para nossa vergonha, incapazes de programar um sistema de navegação – estarem perdidos em busca do aeroporto não ajuda e a carnificina espreita ao virar de cada esquina, a cada rotunda contornada, a cada mudança de faixa.
Estamos no centro político da UE, aqui decide-se muito do futuro de milhões de europeus e, no entanto, já vi mais tolerância e cordialidade em cenários de guerra nos telejornais do que no asfalto de Bruxelas. Pelo bem de todos nós, os homens e as mulheres que zelam pelos interesses do Velho Continente deveriam chegar ao Parlamento Europeu de helicóptero; por estrada, é certo e sabido que a bílis acumulada no trânsito irá reflectir-se nas decisões tomadas. Depois de mais uma tangente à esquerda e de um aperto à direita, o meu parceiro de aventura desabafa um “Belgas só com chocolate”. Não seria tão radical. Por mim, podem ser das simples.
Flávio Serra
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