terça-feira, 4 de setembro de 2012

No melhor pano cai a nódoa....

Aqui vos deixo a crónica do meu amigo Flávio Serra, agora em colaboração com a Automotor.
Muito bom! :-)

http://www.automotor.xl.pt/Not%C3%ADcias/DetalhedeNot%C3%ADcias/tabid/178/itemId/12549/Default.aspx




EM CASA DE FERREIRO… NÃO SE OLHA O DENTE




Ao fim de onze anos a opinar sobre automóveis, nunca tive necessidade de comprar um. Com tanto carro novo para testar e um Twingo de 1997 como resquício físico da vida sob a asa parental, como que “emprestadado” e sempre pronto para me dar boleia nos dias em que escasseavam novidades das quatro rodas, a ideia nem sequer fazia sentido. Contudo, com o agregado familiar prestes a crescer e o equipamento de segurança do Twingo resumido ao pedal do travão e aos cintos, o melindrado chefe de família que se estava a formar em mim tomou uma decisão: é tempo de comprar carro. Novo estava fora de questão, mas teria de ser algo relativamente moderno, com ABS, airbags e muita chapa à volta. Depois de uns dias de pesquisa nos sites especializados, encontrei uma carrinha que cumpria com todos os requisitos. E estava tão barata que até era de desconfiar. E desconfiei, por isso decidi levar comigo um grande amigo, especialista na compra e venda de tudo e mais alguma coisa, automóveis incluídos, e com muita lata no negócio. Lata, vim a descobrir depois, foi exactamente o que passei a ter. Está lá em baixo, à espera de mais uma visita ao mecânico. Um tipo baril.
Naquela tarde chuvosa de Abril, esqueci tudo aquilo que sempre aconselhei a quem vai comprar um carro usado. Menosprezei o compartimento do motor coberto de óleo, os estofos com cheiro a mofo e o enorme buraco onde deveria estar um sistema áudio com navegação – “Epá, esqueci-me. Depois trago-lhe o rádio”. O tecto de abrir panorâmico, que mete água e nunca o vi funcionar, nem me lembro de o ter inspeccionado. Estava tão vidrado na pechincha que, passados três minutos de vistoria e um test-drive de 350 metros – “tem de ser aqui à volta do centro comercial, o carro está sem seguro” –, já só queria passar pela Loja do Cidadão e fechar o negócio. Os problemas estavam à vista de um octagenário míope com oito dioptrias, mas já tinha entrado num estado de transe masoquista. Eu queria aquele carro. Dinheiro para um lado, papéis e chave – “esqueci-me de avisá-lo, só tenho a chave de serviço” – para o outro; desde então, tem sido um dispendioso pesadelo para mim e um fabuloso entretém para o meu mecânico. Vim a saber por ele – até já nos tratamos por tu – que o carro foi vítima de uma colisão frontal e que a reparação efectuada teve apenas um objectivo: mascarar o trambolho de modo a enganar o primeiro idiota que aparecesse. Eu. Entretanto, com o vendedor misteriosamente desaparecido da face da Terra, decidi assumir o erro até às últimas consequências, o que se tem revelado uma fonte inesgotável de escárnio, despesa e ira. Por duas vezes e num intervalo de apenas 48 horas, deixou-me apeado num cruzamento de Lisboa que faria um veterano do Iraque olhar por cima do ombro a cada dois segundos. Em ambos os casos, às 11 da noite. E sem bateria no telemóvel.   
A compra de automóvel usado não é para ser tomada de ânimo leve, aprendi isso à minha custa. Mas de uma coisa tenho a certeza: um dia, o carro há-de ficar bom. E quando esse dia chegar, vendo-o. E compro o passe.


Flávio Serra


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